A existência de uma criança fruto de um relacionamento, ainda que casual, obriga as partes, doravante pais, a terem um relacionamento duradouro entre si, ainda que superficial, mas duradouro. Os pais terão que conversar sobre as principais decisões sobre a criança, tais como visitas, pensão, saúde, escola, a escolha ou não da prática de esportes, entre outros.
Em caso de dificuldade dos pais em estabelecer esse contato relativo à criação do menor, o judiciário acaba sendo procurado para definir visitas regulamentadas. Mas manter o contato físico, ou nesse momento virtual, nem sempre é o suficiente, e a relação entre os pais pode se tornar difícil, seja por visões diferentes de mundo, pela falta de pagamento da pensão estipulada, ou até mesmo pelo surgimento de um novo relacionamento de uma das partes. É a oportunidade perfeita para surgir uma nova discórdia, quando toda menção do pai ou mãe torna-se um enredo de xingamentos, ofensas e uma campanha escancarada contra o outro.
Nesse ambiente de troca de acusações é que surge a alienação parental e a sua maldade torturante, e por que não dizer, psicótica prática diária de maldizer, difamações e histórias sobre o outro progenitor, desacreditando e desqualificando sua pessoa. A Lei de Alienação Parental traz em seu Artigo 2º, Incisos I ao VII, um rol exemplificativo de condutas que o alienador pode praticar, in verbis:
Lei 12.318/10 – Art. 2º I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II – dificultar o exercício da autoridade parental; III – dificultar contato de criança ou adolescente com o genitor; IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V – omitir deliberadamente ao genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI – apresentar falsa denúncia contra o genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
Até aí, você leitor, leitora, pode estar pensando, essa legislação é muito boa ou conheço muita gente que faz isso e não sabe que tem uma lei para penalizar essa conduta. Porém, esta lei, que foi criada com boas intenções, apresentou um porém, um fato, uma consequência que tem tornado a apuração de abusos infantis uma saga para aquele que resolve suspender a visita e denunciar eventuais indícios de maus-tratos ou abusos.
O inciso que diz respeito à imputação de falsas denúncias abre um leque enorme de teses sobre inserção de falsas memórias, inserção de situações que foram conjecturadas por um adulto e nunca ocorreram. Essas falsas denúncias podem ser de maus-tratos, abusos sexuais ou ainda de outra espécie com conteúdo pejorativo. O problema é até onde a sensibilidade do equipamento judiciário protegerá a criança, até onde o processo se tornará uma vingança pessoal, ou ainda mais um episódio de humilhação.
Existe um risco sutil, mas que não deve ser subestimado, de que a lei de alienação parental seja meticulosamente usada para ocultar casos de abuso infantil, pedofilia e maus-tratos. Sempre que um dos progenitores procura as autoridades públicas para falar de suas desconfianças, ou apurações feitas a partir de diálogos com a criança, automaticamente surge um processo de alienação parental, e começa uma luta para a comprovação do abuso e da não existência da alienação. Começa para ele ou ela uma devassa de sua vida, onde passa a ser objeto do processo todos os fatos vividos que possam desacreditar a denúncia, dificultando a proteção da vítima e, às vezes, até fazendo surgir mais uma vítima do sistema.
Nesse sentido, pais e mães precisam ser conscientes, atentos e observar os sinais que a criança dá. Procurar ajuda especializada nos mais diversos setores, da escola ao acompanhamento psicológico de diversas somatizações que podem ocorrer, do tratamento médico até ajuda jurídica, sem expor para a criança a gravidade da situação em que esta pode estar inserida.
Agora, uma observação importante para nós mulheres! Na maioria dos casos, é a mãe que observa ou apura comportamento sexual acelerado na criança, ou indício de maus-tratos. Quando procura a polícia ou o judiciário, passa a ser ré em um processo de alienação parental que beira o absurdo, pois é acusada de usar o abuso do próprio filho ou filha como arma de retaliação por um relacionamento mal acabado ou por um amor não correspondido. Desacreditadas e comumente tratadas como se estivessem loucas, criando realidades paralelas para punir o outro em um projeto de manipulação da criança e da verdade dos fatos.
Estejam atentas para que esse tipo de ausência de sensibilidade não seja uma eternização de uma postura machista e criminosa. Procurem informações sobre o que é maus-tratos, sobre o que é abuso infantil, e procurem amparo da legislação com ajuda especializada.
Texto originalmente publicado em: https://www.acessa.com/seusdireitos/arquivo/direitoprevidenciario/2021/04/07-quando-legislacao-criada-para-proteger-acaba-atrapalhando/